segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Kamikaze love

“ See, I’ve always had this penchant for what I call “kamikaze women,” I call them kamikazes because they crash their plane, they’re self-destructive, but they crash it into you, and you die along with them. As soon as there’s a challenge, as soon as there’s very little chance of it working out, or no chance, or there’s going to be hurdles or obstacles, something clicks into my mind, maybe that’s because I’m a writer, but some dramatic, or aesthetic component becomes right and I, I go after that person and there’s a certain dramatic ambiance that, that, it’s almost as though I fall in love with the person, in love with the situation in some way, and of course, it has not worked out well for me, it has not been great…" 


Woody Allen - Husbands and Wives

Gavetas

"Contador Antropomórfico" Salvador Dali, 1936


Sem querer és um armário profundo
E vives das gavetas no teu peito
Se as deixo engolem-me o mundo
Se as abro perdes-me o respeito

Confusa, avanço e tropeço
Na densa multidão de bagagem
Caída, ainda assim, não me despeço
Agarro-me no fim àquela imagem
Talvez me perdoes no regresso
E haja ainda outra viagem.



sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Sextas

Às sextas as consultas são muitas e rápidas, sucedendo-se como capítulos de um livro de bolso. A falta de espaço obriga a não ter morada certa, a passear o precioso espólio médico de um gabinete para outro, a fazer de cada sala emprestada um local de dedicado trabalho.

Antes de tudo, entrei no gabinete amplo, as oito da manhã ainda impressas na minha expressão e na minha postura e sentei-me na cadeira giratória. Sublime e inusitada, a luz dourada do início da manhã entrava às golfadas pelo gabinete e sobrepunha-se com paixão ao monótono cinzento do chão. Ali sozinha, ocupando sem querer o holofote de sol, compunha uma cena em tudo antagónica ao ambiente cerrado e ruidoso da sala de espera. Respirei fundo e preparei-me para mais um começo.

Em sucessão, as pessoas, mais ou menos doentes, sentaram-se consecutivamente em réplicas da mesma cadeira de estofo azul enquanto eu acenava, concordava, repetia, reiterava, sorria, argumentava, informava, consolava, perguntava, propunha, empatizava e ouvia. Ali mesmo, todos os verbos e todos os sentimentos do mundo, enfeitando e povoando os múltiplos rostos acesos.

E invariavelmente, as sextas terminam neste sofá em que me encontro, revendo mentalmente os episódios da semana: o mil-folhas delicioso, o sorriso épico do menino que nunca sorria, o abraço no corredor, o elogio na hora certa, a chave que salvou o dia, o gato meloso, o jantar saboroso da mamã, o corre-corre das tarefas de última hora, o desejo de um adolescente perdido, o mundo em forma de bola de plástico aqui e agora na palma da minha mão.